ALGUMAS PIPAS DE VINHO NA ORIGEM DA QUATRO CRAVOS

ALGUMAS PIPAS DE VINHO NA ORIGEM DA QUATRO CRAVOS
A HISTÓRIA

Ao olhar para trás no tempo paramos no momento da nomeação do padre-cura da Igreja de São Bartolomeu do Troviscal, no ano de 1722, uma promoção em relação à posição anterior de coadjutor do reitor da Igreja de Santo André de Vila Boa de Quires em Marco de Canavezes. O padre Manuel Pinto de Aguiar era tio materno da Sebastiana Pinto da Mota e a sobrinha veio residir com ele para o Troviscal, na altura em que este tomou posse como cura da Igreja de São Bartolomeu. Sebastiana Pinto da Mota casou na Igreja de São Bartolomeu do Troviscal, em 31 de Agosto de 1732, com Manuel da Fonseca Carvalho, da Póvoa do Carreiro.

A família do padre Manuel era muito bem relacionada na época, com ligação de sangue aos Moreiras de Gandra, em Paredes, e o tio-cura amparou o jovem casal, com Manuel da Fonseca Carvalho a ser promovido a alferes em 1741 e catapultado para Capitão 1755. Na sociedade do Troviscal era uma posição do maior relevo social e proporcionou à família uma posição cimeira na escala social local e regional. Do casamento nasceram seis filhos, três rapazes e três raparigas. O terceiro filho, António José da Mota Carvalho casa em 1771 com Mariana Joaquina da Conceição e é neste ramo original que vai encaixar a família Cravo com o casamento em 1906 de Martinho da Silva Cravo, da Quinta da Gala, com Maria Rosa Domingues Martins, filha do segundo casamento de Sebastião da Mota Domingues Gala com Francisca Ferreira Martins. O sogro era um lavrador abastado com larga experiência na arte vinhateira e uma adega composta com duas dezenas de pipas de vinho que apoiou o jovem casal, no início de vida. Em 1911, Martinho Cravo constrói adega própria, a «Adega Cravo» com tóneis a substituir as pipas.

A INFORMAÇÃO DAS MEMÓRIAS PAROQUIAIS DE 1758

In the memoires of the priests of the time we find references to the wine cultures and mention of the prevalence of wine making in the sub-region of Bairrada and Gândara.

The sub-region of Bairrada is roughly made up of the Certoma river basin, encompassing the counties of Oliveira do Bairro, Anadia, Mealhada and parts of Cantanhede. Its northern borders reach the Serra do Buçaco and the Atlantic Ocean, to the west. However, the renowned geographer Amorim Girão makes note of a subsection which he named Gândara, extending in a strip of coastal dunes boxed in between the Serra de Buarcos to the south and the lower Vouga river to the north. We can match this area to the remaining part of Cantanhede and also a portion of Mira, alhough the latter remains within the area of influence of Ria de Aveiro while in the former the characteristics of the gandarese region stand out.

Os relatos paroquiais, para esta região, são muito limitados em informação relevante para a análise do quadro económico e agrícola. Os padres, na sua generalidade, não se estenderam em considerações complementares, concentrando-se em responder de forma lacónica ao que o questionário sugeria. O vinho obtinha grande relevância na economia da região, sendo referido em praticamente todas as freguesias com Memórias. Os párocos não nos deixaram muitos elementos identificativos da sua qualidade, apenas em Barcouço (concelho da Mealhada) se regista a terminologia de “maduro”. Esta região apresenta-se, efetivamente, como a primeira, neste quadro geográfico que temos vindo a abordar, onde a qualidade do vinho já obtinha reconhecimento na época, como se pôde observar no comentário do pároco de São João da Madeira que atrás transcrevemos. É, igualmente, em Anadia que registamos a maior difusão da cultura da oliveira, seguindo-se Cantanhede. Em algumas freguesias a produção de azeite era a suficiente para o abastecimento da população. As informações transmitidas pelos párocos não possibilitam uma leitura das condições de vida das populações, de forma global, para a região. Pequenas notas permitem antecipar que poucas seriam as terras cuja produção agrícola garantisse a subsistência. É o caso de Casal Comba (concelho da Mealhada) em que o padre afirmava que “tudo o que recolhem não chega inda para sustentaçam dos povos desta freguezia”. E em Cadima (concelho de Cantanhede) o pároco referia que apenas cinquenta pessoas sobreviviam com o que colhiam, enquanto os restantes eram obrigados a comprar os géneros essenciais. Ainda em Cantanhede, na freguesia de Bolho, avançava-se com uma estimativa da riqueza dos moradores, considerando-os o padre “todos pobres, que o mais rico terá baixo quando muito, dois mil cruzados” e, referindo-se ao lugar do Casal dizia: “também hé pobre, tem quarenta e seis moradores, que nenhum passa de coatrocentos mil réis”. Ainda o mesmo pároco de Bolho lamentava a secura da terra, incapaz de produzir quantidades suficientes. Por outro lado, encontramos também terras auto-suficientes e até excedentárias em alguns produtos. O caso mais evidente é o de Ançã, no concelho de Cantanhede, que era considerada “munto abundante de azeite e de vinhos, que socorre com estes frutos muntas povoaçoins que destes géneros carecem” e de cereais também não sentia falta pois tinha “pão suficiente e com abundância para os seos habitadores”.

Wine production was also relevant to the economy of the region, recorded in nearly every parish in the Memoires The priests did not leave much information needed to identify the varieties used; only in Barcouço (in Mealhada) the wording “maduro” is used. This region is actually the first, within the geographical framework mentioned, where the quality of the wine is recognized, as one can attest by the comment previously transcribed belonging to the priest of São João da Madeira. It is also in Anadia that is registed the greatest dissemination of the olive culture, followed by Cantanhede. In some parishes the production of olive oil was enough to supply the population. The information provided by the priests do not allow for an understanding of the general living conditions of the common folk, in the region. A few short comments do give an idea that the land with the capacity to provide enough for subsistence was in short supply. For example, in Casal Comba (county of Mealhada), we find the priest claiming that “all that is harvested is not enough to sustain the people of this parish”. In Cadima (county of Cantanhede), the priest mentions that only fifty people could sustain themselves with what they harvested, while the others were forced to buy all kind of essential goods. In Bolho, county of Cantanhede, the priest comments on the wealth of the population, mentioning that “they are all poor, the richest man must have no more than two thousand cruzados”, and about Casal saying “it is also poor, has forty six residents and not one with more than four hundred thousand réis”. The same priest of Bolho bemoans the dry land, incapable of providing enough. However, we also find places capable of self-sustenance or even surplus in some products, such as Ançã, in Cantanhede, considered “plentiful in olive and wines, with them relieving many towns where those were in short” and not missing in cereals as it had “more than enough bread for its habitants”.

As referências de Marques Gomes de 1877.

The publication “O Districto de Aveiro, Noticia Geographica, Estatistica. Chorographica, Heraldica, Archeologica, Historica e Biographica” by Marques Gomes in 1877 continues the report on the activity of winemaking in Bairrada.

Segundo o autor, “a Bairrada tornou-se um grande centro vinhateiro depois que em 1820 o sr. João Baptista Ferreira, um dos primeiros proprietários da Mealhada, principiou a fazer grandes plantações de bacellos, tornando-se notáveis as da quinta da Tapada, onde foram entregues á cultura da vinha terrenos que produziam optimo trigo. Em 1822 recolheu o sr. Ferreira cento e doze pipas de vinho, que foram vendidas a 25$000 réis. Este sucesso animou os lavradores a novas e grandes plantações. De 1825 a 1834 a exportação tomou as mais vastas proporções, vindo n’este ultimo ano a ser extraordinária, em virtude dos acontecimentos políticos que tiveram fechada a barra do Porto. Antes de 1818 os maiores lavradores recolhiam apenas algumas pipas de vinho. Ainda em 1820, apesar da vinicultura haver tomado um tal ou qual desenvolvimento, conheciam-se apenas a quinta das Sacarroas, da Tapada, o Estrepai, a Portaria, e mais algumas vinhas insignificantes. Em 1848 o oidium principiou a sua perniciosa acção, e as vinhas quasi se aniquilaram. Em 1862 os estragos começaram a diminuir, e a produção a augmentar consideravelmente”.

“Hoje apresenta-se a Bairrada mais prospera do que nunca. Só o concelho da Mealhada exporta anualmente mais de 600 pipas de vinho. Os vinhos da Bairrada, embora formem um unico typo, podem dividir-se em vinhos de embarque e vinhos de consumo, distinctos e diversos pela côr”. O autor considera, ser a Mealhada, na Bairrada, o centro da mais importante região vinícola de Portugal, depois do Douro.

Marques Gomes, publicou a obra em 1877 e não imaginou que o século XIX ficaria registado como o período negro da história da viticultura. Apanhou o crescimento dos vinhedos na Bairrada, de 1820 a 1848, ano de aparecimento da praga do oídio, doença que arrasou os vinhedos até o problema ser resolvido com o enxoframento das videiras. Em 1853, surge o míldio, com efeitos menores na Bairrada devido ao conhecimento do tratamento das folhas da vinha com calda bordalesa.

Não podia imaginar o terramoto que iria arruinar a vitivinicultura, pois é na segunda metade, por volta de 1865, que a praga da filoxera aparece no Douro e rapidamente se espalha por todo o país. É curioso o autor referir que em 1877, “apresenta-se a Bairrada mais próspera do que nunca” sem fazer qualquer referência ao impacto do flagelo da filoxera na região.

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